terça-feira, 16 de abril de 2024

20 e poucos anos

Apesar da complexidade interpretativa de Tabacaria, poema de Álvaro de Campos, posso usá-lo para falar de mim. O eu lírico do texto reflete questões existenciais que lhe atravessam tanto na perspectiva exterior, como interior, no momento em que está perdido entre as tantas mudanças que coexistem na vida que ele vê através da janela. O eu lírico ou eu poético, visualiza sua vida com seus próprios olhos, e assim, por meio do texto, posso ver-me através da janela, e refletir todas as mudanças que tem acontecido nesses meus 20 e poucos anos. 

A vida tem andado corrida, cansativa, por vezes triste e depreciativa, mas tenho tentado manter-me feliz entre a dor e a delícia que é viver. Durante um processo terapêutico que me rasga e me costura, tenho aprendido mais sobre mim e sobre a forma como eu me fragmentei em pedacinhos para responder a expectativas de quem eu julguei merecer, e fiz de bom grado. A única pessoa que esqueci de agradar, fui eu mesma. Parece que "Fiz de mim o que não pude, e o que podia fazer de mim, não o fiz". Me anulei por tantas vezes em silêncio, e quando percebi, ouvi que minhas atitudes eram egoístas. Fiz o que pude e não foi suficiente. Fiz mais do que pude e não tive o crédito devido. Até que eu entendi que não há nada, nem ninguém, que mereça estar em primeiro lugar na minha vida, senão eu. E ainda há tanto espaço pra amar um montão de gente, percebendo-me como importante e personagem principal do enredo da minha vida. 

De uns tempos pra cá eu entendi, que por amor a gente fecha os olhos, ouvidos, coração. Finge que não entendeu, que há chance de melhora, se põe culpa, se vulnerabiliza. Até conseguir admitir que o outro também nos fere e é nosso direito sentir a dor, por mais que não seja intencional fazer doer. Por que a gente sabe que também pode fazer doer o outro. Quando se vira a chave pra perceber que não há perfeição nas relações, pode-se perdoar e pedir perdão. Recomeçar se valer a pena e findar histórias que não nos cabe mais. De uns tempos pra cá eu acho que abri os olhos.

2023 foi o ano que eu mais me transformei. Me vi frágil e forte. Me vi amada e odiada. Me amei e me odiei. Me vi generosa e egoísta. Mas eu amadureci muito mais que em outros anos, porque eu virei de cabeça pra baixo e no meio do caos comecei, finalmente, a tomar as rédeas da minha vida, embora eu saiba que por vezes essas rédeas vão me fugir a mão.

Tentar ou finalmente tomar essas rédeas nas mãos é desesperador e reconfortante. É contraditório e genuíno, saudável e adoecedor... mas se tem uma coisa que é, é libertador. Não se pode ter asas demais, não se pode ter asas de menos. É preciso dosar entre a sanidade e a loucura, cortadas por uma linha tênue em que se tem porto e quer mar, em que se está no mar e quer o porto. E entendi que não preciso escolher só uma coisa, que eu posso sim, ter tudo que eu julgue necessário e de bom grado. Eu posso ser tudo e depois ser mais. E ainda se "Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo." 

Nesse início de nova fase, digo que tenho em mim todos os sonhos do mundo. Os que sonhei e os que ainda nem sonhei. Sem muitas certezas, mas tentando ter em mente que temos tempo e chance de realizá-los, com muito amor, determinação e trabalho duro, principalmente sem deixar influenciar ou desviar por outras pessoas, mesmo que próximas e significativas. 

Parece que essa fase diz que: "Eu não abro mão. Nem por você, nem por ninguém, eu me desfaço dos meus planos. Quero saber bem mais que os meus 20 e poucos anos." E não abrirei mesmo mão de mim. E focar nisso, pela primeira vez na vida, não é egoísmo, nem de longe. 

Até mais.

Com carinho, de mim, para mim mesma. 


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